Análise de custos: o chato necessário

(assim como o texto, longo, mas necessário)

Nos tornamos exímias(os) cozinheiras(os)! Que alegria é ver a criatividade dos profissionais das cozinhas. E quando a fala envolve química, ai é uma beleza! Fico encantada com as conversas:

“- Coloca o ácido para quebrar o gosto da gordura;

– As moléculas de açúcar serão consumidas pelo fermento, mas você tem que colocar nessa hora, nessa temperatura e exatamente nessa quantidade;

– Se ficar apimentado demais, coloca açúcar para equilibrar.”

E por ai vai! Meus olhos se enchem de corações e me lembro da minha profissão de fé, que é mostrar para todo mundo a inteligência que existe nas panelas. Mas infelizmente ainda temos muito sal para comer!

PRODUÇÃO ALIMENTAR

Por definição cadeia produtiva é o conjunto de etapas consecutivas, ao longo das quais um insumo sofre algum tipo de transformação (beneficiamento), até a constituição de um produto final para comercialização.

Compreender que o prato ofertado a quem come é a última etapa deste processo, é vital para se refletir sobre a qualidade das cadeias produtivas que perfazem nossa refeição. Conhecer a origem dos alimentos, e quem os produz nos desamarra de certas convenções impostas e nos impele a procurar novos sabores e texturas, outras formas de servir, novos olhares e posicionamentos.

É preciso que cozinheiros e cozinheiras profissionais se coloquem enquanto especialistas e transformadores de alimentos e os restaurantes, enquanto fornecedores de necessidade primeira. Assim como, é necessário discutir todas as inviabilidades que o atual mercado apresenta e insistentemente se mantém exigindo dos negócios. Lembrar que não conseguimos mais praticar a altamente departamentalizada cozinha escoffiana e se dar ao luxo de uma pessoa exclusivamente para descascar batatas. Claro que estou falando no sentido figurado. Mas continuo vendo restaurantes contratando pessoas para funções completamente inviáveis de serem pagas, só porque na pesquisa de concorrentes, se descobriu que tal possível concorrência, possui tal cargo.

 OFÍCIO

Contratam, mexem com a vida profissional de uma pessoa, criam expectativas, não conseguem paga-la e três meses depois, demitem. Ainda vejo, novos projetos, contratando um número maior de trabalhadores, do que realmente precisam. Imaginando que logo terão que demiti-los assim que o movimento “estabilizar”. Contudo isso poderia ser evitado, a partir de contas simples baseadas nas projeções de ticket médios e de rotatividade de assentos em relação a capacidade de produção.

Ainda vemos, restaurantes lindos, com segurança, manobrista, caríssimas obras de arte, utensílios e equipamentos de última geração e pagando pouco mais de um salário para sua brigada, novamente porque não fez contas simples a fim de apurar fatores de correção, custos de mercadoria vendida ou mesmo a classificação dos custos e despesas, para saber o quanto pode usar para cada tipo de gasto.

NÚMEROS

Não há contas difíceis na gastronomia. São todas básicas, assim como as planilhas. Trabalho com isso há 23 anos e não faço planilhas incríveis, cheias de cores e formulas enormes, na verdade, matematicamente são ferramentas bem simples.

Contudo é trabalhosa. E aí temos um contrassenso que chateia bastante, pois a maioria dos clientes acredita que por ser simples, acaba diminuindo o valor trabalho e o risco de um controle mal feito.

Essas pessoas, provavelmente nunca se debruçaram sob um cardápio para criar suas respectivas fichas técnicas, de produtos finais e beneficiados. Tem cardápio que demora três meses para ser feita toda a relação de fichas! Contudo acabamos sendo tachados como profissionais lentos, e ainda temos que ouvir que “é “só copiar uma receita de internet”.

 CAMINHOS

Bem, lamurias à parte, no evento Caminhos da Gastronomia, promovido pelo Gustavo, através do Instituto Federal Fluminense (quem não está acompanhando, sugiro, porque é super incrível e gratuito! Vai até outubro), iniciei o ciclo de palestras falando sobre negócios gastronômicos.

Foi bastante simbólico e oportuno, visto que apresentando um negócio gastronômico como sendo a ponta da cadeia, tentei mostrar para quem ouviu, que todas as próximas apresentações, independentemente do assunto, estarão em algum momento representadas em uma empresa de gastronomia e que isso, precisa ser planejado, organizado e controlado com afinco, demonstrando assim, a grande importância e complexidade deste tipo de negócio.

Entre fatos históricos, reflexões sobre saúde e outros assuntos, apresentei uma planilha que simulava custos e percebi que algumas pessoas ficaram interessadas, inclusive querendo a planilha e, até criticando dizendo que eu apresentei essa parte de maneira muito corrida.

Explico: usei a maior parte do tempo da palestra no que se equivale ao planejamento. Falei de contextos históricos, culturais, sociais, econômicos e de saúde. E fiz isso, porque é assim que todos temos que fazer durante o processo de planejamento de um negócio, ou até mesmo para o lançamento de um novo prato ou serviço.

Queria demonstrar para quem assistia, que não é tão simples quanto insistem em achar. Que assim como a elaboração de todas as fichas técnicas demandam de muito tempo, devido à enorme transdisciplinaridade da cozinha, as decisões sempre provocarão desdobramentos e consequências que não necessariamente serão as mais legais. E quem não entendeu isso, provavelmente faça parte do habitual grupo que quer abrir um negócio sem se preocupar muito com o planejamento.

 REFERÊNCIAS

Mas ainda assim, vamos aqui desdobrar e explicar. Tomei como base a planilha que Marcelo Traldi Fonseca usa no livro Tecnologias Gerencias de Restaurantes. Na verdade, Traldi leva em consideração uma referência chamada TRA (Texas Restaurants Association) que considera o MODELO FINANCEIRO DE CUSTOS de um restaurante é composto por Folha de Pagamento, CMV (Custo da Mercadoria Vendida) e Custos Operacionais.

Tal modelo sugere que:

  • A Folha de Pagamento de um restaurante não se deve gastar mais do que 30% do total de seu faturamento, incluindo impostos.

 

  • O CMV ideal é de 30% do valor do faturamento – o que é muito difícil de conseguir, devido vários fatores – podendo chegar a 35% (porcentagem mais realista, uma vez que para se chegar aos 30%, o preço de custo dos insumos precisariam ser muito baixos, o que além de irreal, poderá influenciar diretamente na qualidade final do produto).

 

  • O PRIME COST (índice que soma o CMV com a Folha de Pagamento) considerado ideal é de 60% do faturamento do negócio gastronômico. Então a soma da folha de pagamento de 30% mais o CMV realista de 35%, perfazem 65%.

 

Neste caso, estes 5% a mais (da porcentagem do CMV mais realista), terá que ser deslocado de algum outro lugar. Restam então, 25% para os gastos operacionais e um teórico 10% que pode ser de pró-labore. Em resumo;

  • 65% PRIME COST + 25% GASTOS OPERACIONAIS= 90%

Explicando o CMV de outra forma, é o mesmo que dizer o quanto o restaurante precisou de dinheiro na compra de insumos, para atingir aquele faturamento. Ou, que a cada R$ 100,00 de faturamento, o restaurante não deve gastar mais do que R$ 35,00 em ingredientes.

Importante lembrar que quando se fala de insumos para um negócio gastronômico, fala-se de custos diretos e não rateáveis, ou seja, em geral não previmos óleo, energia, material de limpeza ou descartáveis para armazenagem. Mas, isso pode se alterar, quando por exemplo o restaurante faz entrega e sem a embalagem, não dá para vender, ou seja, a embalagem passa a ser custo direto.

No CMV você pode incluir o custo das bebidas, afinal, são produtos de cardápio também. E nos gastos operacionais, é todo o restante que é necessário para a operação rodar. É uma maneira bastante simplificada para a gestão, não é estanque, ou seja, não é algo que não pode mudar, mas é uma boa base para você iniciar e depois fazer as adaptações ao seu negócio.

 NA PRÁTICA

Vamos agora, partir em bifes, a planilha. Tomando como exemplo um faturamento de R$ 150.000,00 que não é algo impossível e nem tão difícil de encontrarmos no mercado, pela planilha do TRA, seus gastos ficariam assim:

Folha de pagamento (30%): R$ 45.000,00

CMV (35%): R$ 52.500,00

Gastos operacionais: R$ 37.500,00

Vamos agora expandir os gastos operacionais:

Deste valor, imediatamente deve ser considerado o SIMPLES. Mas o que é o SIMPLES? É um sistema de tributação diferenciado, simplificado e favorecido, que consolida, em um único recolhimento, diversos tributos federais (IRPJ, CSL, PIS, COFINS, IPI e contribuição previdenciária patronal), estaduais (ICMS) e municipais (ISS), facilitando a vida das microempresas e das empresas de pequeno porte. Essa sistemática simplificada pode ser utilizada apenas pelas empresas com receita bruta mensal inferior a R$ 400.000,00.

Então, voltemos ao nosso exemplo, onde um restaurante tem o faturamento de R$ 150.000,00. A alíquota de recolhimento do SIMPLES é de 9,45% do faturamento mensal. Então, R$ 14.175,00 é o valor de imposto que a empresa deve ao Governo. Não é possível não pagar tal valor. Mas se o faturamento aumentar, o negócio pode passar de faixa (o valor da alíquota aumentar, de acordo com o faturamento da empresa).

É importante também levar em consideração que caso este percentual aumente, talvez não seja possível honrar com o pagamento. Isso em geral acontece porque com o aumento do faturamento, se tornam necessários outros investimentos. Além da equipe, que sempre aumenta, e isso levará a necessidade de compra de uniformes, aumento de gasto com a alimentação e com treinamentos, a possível necessidade de compras de utensílios e equipamentos para dar conta do atendimento.

No entanto, considerando este valor, o saldo que fica é R$ 23.325,00. Vamos então, encaixar as coisas dentro deste valor

Gás: R$ 1.200,00

Energia: R$ 3.000,00

Dedetizadora: R$ 500,00

Contabilidade: R$ 1.100,00

Internet e telefone: R$ 300,00

Material de limpeza: R$ 1.500,00

Aluguel: R$ 5.000,00

Segurança eletrônica: R$ 300,00

Segurança presencial: R$ 2.500,00

Auxiliar administrativo (com imposto e beneficio): R$ 3.000,00

Descartáveis: R$ 500,00

Óleo ou gordura vegetal: R$ 450,00

Dos exatos R$ 3.975,00 que sobram, devem servir para qualquer outro tipo de gasto que se tenha: manutenção de equipamentos, condomínio se for o caso, gasolina para se for fazer compras, manobrista se decidir ter, e assim por diante.  É preciso ter algumas sortes, para por exemplo, não ter que demitir ninguém, visto que essa despesa não está provisionada em lugar nenhum. Mas a sorte grande mesmo, é para a variação de movimento. Aqueles meses que por conta do mercado, existem quedas de movimentos que podem chegar a 20/25%.

Nessa hora, a maioria destes gastos operacionais não muda. Se o estabelecimento for muito bem controlado, pode conseguir baixar o CMV e alguns outros custos variáveis, mas nem sempre acontece imediatamente no primeiro mês. O caixa termina no negativo e não necessariamente no mês seguinte, o faturamento já cobre este negativo.

Por isso afirmo que os 10% de lucro, são teóricos. Porque, em caso de uma variação negativa de 20% estaremos falando de menos R$ 30.000,00 para o exemplo dado. Considerando que aqueles R$ 3.975,00 já nem existem mais, porque por exemplo, você já gastou com a recepcionista e com a música ao vivo que contratou apostando que iria “atrair” clientes, os R$ 15.000,00 chamados de lucro, estão perdidos e ainda será preciso conseguir mais R$ 15.000,00. Estamos neste momento desconsiderando qualquer necessidade de rendimento para gastos pessoais.

 POSSIBILIDADES

Já dissemos algumas vezes aqui, que sem gestão, não há solução! Mas é importante também fazer demonstrações como essa, para que se tenha uma real dimensão das dificuldades. É claro que estes valores são somente parâmetros. Vários deles, se não todos podem ser diferentes. Tanto para mais, como para menos. O que queremos realmente demonstrar é o aperto e a fragilidade.

É a pequena possibilidade que se tem de errar. É o estranhamento em aceitarem pagar as altas taxas de juros de adiantamento de cartão de credito ou de administração de aplicativos de entrega. Fica muito bem explicado para nós, que essa conta não é feita para a tomada de decisões, assim como mostra a fragilidade dessas empresas e o porquê não se consegue acumular muitas reservas. Mostra também, que o índice de mortalidade, não é simplesmente porque todos os 70% que morrem por ano, foram incompetentes. São precisos estudos sérios e aprofundados sobre a viabilidade.

É importante que controles e acompanhamentos sejam prioridade e que as oscilações sejam controladas, que os gastos sejam mensurados antes e que o mercado entenda dois recados. O primeiro, é que somos especialistas em alimentos, uma necessidade primeira. E o segundo é que profissional de negócio gastronômico, não mexe só com panela.

Saúde à todas(os)!

 

4 comentários

  1. Que PÉROLA , Professor Gustavo Guterman!
    Sou Denise, sua aluna Hotelaria IFF 2021.
    Que maravilha , Professora Vanessa Campos.
    Meus muitos parabéns a vocês dois!!!

    Curtir

Deixe um comentário