As cores no prato

Sempre considere a cor como uma parte importante do seu trabalho. Imagine um prato branco com um linguado ao molho branco, servido com batatas cozidas e couve-flor no vapor. Sem dúvida, se bem preparado, terá um bom sabor, porém, sua apresentação será monótona (em textura, altura, e cor).

E tal monotonia irá ser traduzida em provável frustração do cliente.  Para composição de um prato é necessário um conhecimento mínimo sobre a relação das cores entre si. Saber quais cores criam harmonia ou contraste, podem ser de extrema valia para este processo, principalmente porque o cliente geralmente não vai conseguir explicar que não gostou do prato por causa das cores iguais. Ele somente vai lhe dizer que não gostou e você pode não conseguir “decifrar” este código.

A HISTÓRIA 

O pensamento sobre a importância das cores é algo antigo. O filósofo grego Aristóteles começou estes estudos ainda na Grécia Antiga, deixando alguns escritos.
Leonardo da Vinci, precedido por estudos de Aristóteles, reuniu anotações no século XV que culminaram no Tratado da Pintura e da Paisagem, se tornando um estudioso importante na percepção e uso das cores nas artes.

Um século depois de Da Vinci, um jovem inglês de 23 anos, retomou os antigos estudos do tema.  Foi em uma feira de ciências de sua cidade natal, que rapaz, ao comprar um peso para papel (no formato de um pequeno prisma de vidro) se encantou pelo tema. O jovem Isaac Newton teve sua atenção atraída ao colocar um papel no caminho da luz que emergia do prisma, observou as sete cores do espectro, em raios sucessivos: vermelho, alaranjado, amarelo, verde, azul, anil e violeta. Este fato desencadeou uma apaixonada vida de estudos sobre o tema.

Sim, a capa de um dos discos mais importantes do rock progressivo da história, é inspirada na descoberta de Newton (The Dark Side Of The Moon- Pink Floyd).

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Então pode-se concluir que  para se observar as cores, é necessária uma interação com a luz. Fica simples compreender então,  porque o mesmo prato confeccionados na luz fria de uma cozinha profissional, deve ser levado a mesa do salão (que em geral possui uma luminosidade mais quente). A tonalidade distinta dos dois ambientes pode alterar profundamente o resultado final do empratado.

CÍRCULO CROMÁTICO 

Mas foi no século XIX que o escritor e cientista alemão Johann Goethe, publicou um dos livros mais importante do tema intitulado Teoria das Cores.  Nele é apresentado “círculo cromático” desenvolvido por Newton (apresentado abaixo), uma representação simplificada das cores percebidas pelo olho humano. Esta representação fora de extrema importância para os estudos das cores até os dias de hoje.

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Podemos observar que é possível relacionar as cores de duas formas muito distintas.
A primeira delas são as cores complementares. Estas são encontradas nas extremidades opostas, como o verde e o vermelho. Estas cores são as de maior contraste entre si de todo círculo (e tem por objetivo, provocar o observador a focar em algum ingrediente específico), justamente o que buscamos na montagem de um prato.

Já as cores vizinhas no círculo são chamadas de análogas e não apresentam contraste algum entre si. Elas são constituídas de uma base cromática comum. Estas podem ser utilizadas para efeito de escala (ou dégradé), e remetem a uma certa calma e organização. Por isso é importante, ao empratar não utilizar somente as cores análogas, e sim mesclar as complementares.  Talvez um dos grandes mestres na utilização das cores, seja o espetacular pintor holandês do século XIX, Vincent van Gogh.

Em quadros como O Terraço do Café na Praça do Fórum , podemos observar uma utilização brilhante das cores análogas, aplicadas de forma magistral para provocar sensações de paz e distribuir de forma gentil a luz sobre a cena. Ao mesmo tempo, percebemos como as cores complementares dão conta de destacar a cena que o artista pretende focar nossa atenção.

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Agora observe no prato abaixo. Veja como o verde e o laranja (análogas) guiam nossos olhos diretamente para o ingrediente principal do prato (carne vermelha), que tem uma cor complementar.

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A PSICOLOGIA 

Em um restaurante as cores não são os únicos elementos que podem alterar a escolha pelo consumo de produtos.

Charles Spence, professor e psicólogo experimental da Universidade de Oxford, percebeu em um de seus estudos comportamentais, que o peso dos talheres de um restaurante, determina o perfil de gasto das pessoas.

A pesquisa concluiu que se os talheres forem mais pesados as pessoas estão dispostas a pagar uma conta mais elevada do que se os talheres forem mais leves — possivelmente associam tal leveza ao plástico, um produto não nobre.

Outro fator é a forma. Em 2013, os fabricantes de uma determinada marca de chocolate decidiram alterar a forma da barra, tornando as pontas mais arredondadas. Foi o suficiente para que os consumidores se queixassem, dizendo que a fórmula tinha sido modificada e que o chocolate estava mais doce.

Spence diante deste episódio afirma que a comida que é servida em formas redondas é geralmente considerada mais doce. E completa seu raciocínio, afirmando, que o desenho no topo de um cappuccino pode influenciar a nossa percepção do sabor — se for uma estrela, a bebida parece mais amarga do que se for um coração.

Ao mesmo tempo, segundo os estudos de Spence — preciosos para quem lida com o marketing de produtos alimentares — uma mousse de morango parece 10% mais doce se for servida num recipiente branco do que se for apresentada num preto. Igualmente importante é o fator peso. Se uma embalagem de iogurte for de um plástico mais pesado, o iogurte vai parecer mais consistente e a pessoa vai sentir-se mais cheia do que se comer exatamente o mesmo a partir de uma embalagem mais leve.

O USO

As cores e suas informações são estudas a fundo e utilizadas em larga escala pela multifacetada indústria gráfica. Há tantas aplicabilidades para as cores como um meio de comunicação (e indução para o consumo) , que uma das principais ferramentas da indústria de alimentos, é justamente a utilização precisa de cores nas suas embalagens e na coloração artificial de produtos.

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A imagem acima foi composta pelo estúdio dos artistas holandeses Lernet e Sandercomo parte de um especial de fotografia documental sobre comida produzido pelo jornal local De Volkskrant. A publicação propôs à dupla uma foto sobre o tema, e o resultado foi essa maravilhosa composição com 98 alimentos não processados diferentes, cortados em cubos perfeitamente idênticos de 2,5 centímetros de comprimento, largura e altura.

Uma das maiores empresas de estudo das cores hoje é o Instituto PANTONE.  Considerada uma autoridade em cores, é mundialmente conhecida por seu sistema de cores, largamente utilizado na indústria gráfica.   

O instituto através de um estudo, lança (anualmente) as tonalidades que refletem o momento da sociedade, de acordo com as necessidades e novidades do mercado.

Embora seja difícil simplesmente mudar a cor de um produto alimentício (a cada ano) com base no que a Pantone diz, existem algumas maneiras pelas quais os fabricantes de alimentos, mercados e restaurantes, se apropriam desta informação para melhorar suas vendas.  Afinal as cores estão em todos os lugares. Nas embalagens, na louça, no cardápio, na parede e também na comida!

E quando se fala de cor na comida, um dos temas mais discutidos é o da presença, ou ausência, do azul. Basta colocar na Internet duas palavras — “blue food” — para entrarmos no debate sobre se existe na natureza algum alimento naturalmente azul.

Uma das explicações dadas para o fato de nós tendermos a não querer comer alimentos azuis tem que ver com o instinto de sobrevivência — o azul indicaria um alimento que já estaria estragado e que, por isso, seria de evitar.

Outro conceito a ser lembrando na hora de distribuir os ingredientes de diferentes cores no prato é entender que as cores escuras absorvem a luz, enquanto cores claras a refletem.

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Uma salada com diferentes cores de abobrinha e cenoura.

Então se as formas dos pratos e os pesos dos talheres podem alterar a percepção do paladar ou do valor agregado a comida, suas cores modificam somente os sabores.  Elas determinam também os valores nutricionais do preparo, através dos seus pigmentos. Os pigmentos naturais são um grupo de substâncias com estrutura, propriedades químicas e físicas diferentes que dão cor aos alimentos.

Por isso as cores dos ingredientes de um prato conseguem transmitir ao comensal a certeza de sabores e valores nutricionais variados, antes mesmo da degustação propriamente dita. Assim o prato instintivamente se torna mais interessante aos olhos de quem irá degustar.

Além das cores naturais dos alimentos, hoje os profissionais da área estão descobrindo um novo mundo com o uso das flores comestíveis (e brotos). Com essas preciosidades, é possível agregar sabores, cores e ricos nutrientes em seus pratos.

Contudo são necessários testes para entender se os sabores destes elementos são harmoniosos com os ingredientes da preparação. Cada flor possui sabor distinto e  deve ser levado em consideração! Aproveite isso a seu favor!

Raw fish, pomelo, edible flowers and herbs in a yellow emulsion.

PRATICANDO

Como conversamos no artigo anterior, a escolha da louça é essencial para que o trabalho com as cores do alimento funcione. As relações de contraste são importantes para criar protagonismo dos ingredientes entre si e em relação ao recipiente utilizado. O prato está para o cozinheiro, como a tela está para grandes pintores. Grandes artistas plásticos se valeram destes estudos para criarem obras incríveis.

Hoje, nós cozinheiros e cozinheiras nos inspiramos principalmente no círculo cromático para guiarmos as concepções de nossos pratos. Contudo não mora somente na estética o sucesso de um prato.

É necessário o equilíbrio perfeito de sabores, aromas, texturas e cores. E tudo isso vem com a técnica e a experiência. Mas não se assuste com tanta informação. A ideia aqui não é utilizar todos os conceitos ao mesmo tempo no mesmo prato. Isso seria impossível.

A percepção para o emprego destas técnicas, vem com o tempo. Você perceberá que as  experiências de sucesso são resultados dos anos em uma cozinha profissional (entre acertos e erros), onde você terá oportunidade de compreender e usufruir destes conhecimentos , das mais variadas formas, em diferentes momentos!

No próximo artigo falaremos um pouco sobre os utensílios e pré-preparos para executar um bom empratado! Não percam!

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