E existe comida ruim?

Não é só o que a geografia oferece, mas a relação que se tem com o insumo. Quem define a sensação que o alimento vai causar em você, é teu cérebro e não tua língua (paladar). Para isso dá-se o nome de sabor. É individual, subjetivo e pode ser pontual. Ou seja, você pode a vida toda comer um alimento, mas não necessariamente seja o que mais gosta. Em consequência da subjetividade, é difícil registrar e tentar reproduzir.  Já sobre o gosto, podemos falar de forma coletiva, assim como deveríamos registrar, para que uma sociedade tenha sua história protegida do desmemoriamento cultural-alimentar, principalmente porque uma de suas principais características é a constante mudança.

Cultura alimentar é resultado de vários fatores juntos, que geram gosto. A identidade tão procurada e defendida por alguns pesquisadores, precisa ser rapidamente registrada, sob pena de ser ligeiramente trocada. Jean-Louis Flandrin fala sobre a “estrutura do gosto” para defini-lo como formação coletiva e comunicada, além de dinâmica. Para a coletividade, a maneira como o insumo é produzido, transformado e servido vão formar a Cultura Alimentar local, que é uma potente linguagem.

A religiosidade tem larga influência nos rituais alimentares. Datas e tipos de alimentos, geram cardápios dos mais variados, que não deixam de ser consequência do alimento mais abundante da época e de sua posição na cadeia produtiva. É fácil imaginar que questões econômicas são igualmente impactantes. Foi isso que Pierre Bourdieu quis dizer quando afirmou que gosto se discute. Ele se referia ao fato de paladares serem consequência do que mais se come. E, portanto, uma classe social menos abastada, fica limitada. Ele ainda fala das comidas de preenchimento, que são formadas principalmente por cereais e massas e dão maior saciedade e que, o medo da fome acaba provocando um maior interesse por parte desse público para este tipo de alimento. Claramente, questões de praticidade e de valores também definem a escolha. Por último, não menos importante, a saúde é outro fator influenciador. Definidor direto de dietas e causador de consequências positivas e negativas para a saúde, o alimento acaba se enquadrando ou não a uma necessidade salutar e com isso, modificando questões de sabor e gosto.

No campo dos símbolos, temos um vasto universo. A neurociência através de Charles Spencer tem nos revelado muitas informações, porém exclusivamente relacionadas a cores, formas e utensílios de serviço. Mas quando falamos sobre “o que parece”, o que parece mesmo é que não tem fim. Gordos já foram considerados pessoas fortes e dignas de serem Reis. O contrário não era aceito. Shakespere inclusive, nos mandou desconfiar dos magros. Até que a religião passou a achar puro o jejum e a magreza e, isso passou a ser visto como sinônimo de bom cidadão. Comida de caça já representou poder. E cozido, já foi considerado comida feminina e de pobre. Falando em comida de pobre, vários insumos que já foram vistos como “comida de rico”, o deixarem de ser, e vice-versa. Ou seja, neste caso o que define a comida boa de comer, não necessariamente seja o sabor e sim, o gosto cultural.

Portanto, a comida de território não é algo novo e por isso, os questionadores das regionalidades que acham que a comida deve ser internacional, estão perdendo tempo. Mesmo porque vários insumos estão simultaneamente em inúmeros lugares, sendo produzidos e servidos das mais diversas formas. E, sugiro pensar bem para definir o que é comida boa ou ruim. Pode ser ruim para VOCÊ, mas ser boa para muitas outras pessoas. Sair por aí dizendo que esta ou aquela comida é ruim, pode ser raso, desrespeitoso e talvez até, vil. Melhor analisar antes tudo o que envolve essa produção. Religião, economia, saúde, geografia, política e muito mais coisas devem ser consideradas nessa colocação. Se comidas que comprovadamente causam doenças são consideradas saborosas (eu, não!!!), como é que você pode julgar a comida de alguém que dedicadamente a fez? Ovo e gordura já foram vilões. Era impossível viver sem leite (?!?!?!) e tantos outros exemplos que temos. Melhor dizer que VOCÊ não acha essa ou aquela comida saborosa e melhor mesmo, é não tentar convencer ninguém sobre a sua opinião.

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