A louça e a estética do prato

Atualmente, cozinheiros e cozinheiras têm dado uma atenção especial à escolha das louças em seus restaurantes.  Tal cuidado pode elevar uma receita a “status de celebridade” porque contribui para aguçar o interesse estético do comensal, independentemente de qual seja o insumo. Contudo é de extrema importância que a louça seja escolhida para que exalte a comida e não roube a atenção do alimento e ao mesmo tempo faça parte do conceito do cardápio. A comunicação deve ser sutil, mas constante e na maior quantidade de lugares possível.

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COR

A cor branca, usada por grande parte dos restaurantes, possibilita o destaque das cores do preparo. Contudo esta não é a única possibilidade. Entendendo que hoje a comida é uma das maiores representações culturais de um povo, um restaurante pode representar um pouco da cultura da sua localidade não somente através da comida.

Há muito que artesãos da cerâmica estão no mercado brasileiro, produzindo lindas peças e tornando o enxoval de um restaurante em uma das suas possíveis marcas registradas Assim mais uma vez a Gastronomia mostra a possibilidade de alavancar uma economia local, perpetuando histórias e costumes.

Então a louça pode apresentar diferentes cores, que poderão, se usadas de forma a  compor (por contraste ou complemento) os ingredientes do  prato, dando personalidade e mais história à aquela preparação. Antigamente os pratos eram brancos, sob a justificativa de que não podiam intervir em nada na apresentação. E isso talvez tenha sido um exagero, já que ultimamente podemos comprovar que outras cores e formatos são bem recebidos e contribuem para o contexto do comer.

 A FORMA

A escolha da peça deve ter a atenção voltada para a utilização da louça em si. Esta deve ser pensada para inúmeras possibilidades de preparações, caso contrário, poderá condenar aquela aquisição a uma única possibilidade. E em negócios gastronômicos, toda e qualquer redução ou controle de custo, é muito necessário.

Sabemos que uma cozinha saudável aposta sempre em um estado de permanente transformação de cardápios, e como normalmente louças artesanais possuem valores elevados, se não for pensado em múltiplas utilizações, essa compra acabaria por se tornar um grande erro estratégico.

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Por exemplo, uma louça de massas, normalmente tem formato de cumbuca (com paredes altas) e pode servir no futuro risotos e saladas. Não esqueça sobre o conforto para comer. Não adianta nada a louça ser bonita, mas seu formato atrapalhar o acesso ao alimento. É comum pratos que devido ao seu formato, dificultam o descanso dos talheres, por exemplo, ou por serem muito grandes, não permitem uma garfada com todos os sabores e com isso, a história do prato deixa de ser contada como foi pensada.

O contexto da louça e sua escolha também pode proporcionar uma experiência participativa na construção do prato. O uso, por exemplo, de pequenas molheiras ou jarrinhas que trazem à mesa caldos, caldas, fundos para serem servidos na entrega do prato, torna a finalização do mesmo, um acontecimento de encantamento inusitado que nos remete a prática das finalizações de clássicos, como um Crepe Suzette.

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Ou ainda detalhes na louça, como ranhuras em suas abas ou paredes (que nos remete a forma dos raladores de louça para raízes), podem também, provocar a interação do comensal no momento em que o prato escolhido tenha a possibilidade de ser temperado por tal ingrediente. Desta forma, o cliente contribui para finalização do prato, interagindo de forma direta no resultado final.

PONTO FOCAL

19764391_1899046253703314_1435889025402535936_n.jpg.jpgAo empratarmos, devemos eleger um ponto focal no prato.  Este ponto, que tem como objetivo a orientação dos demais elementos, proporciona um prazer subconsciente ligado ao senso de ordem e estética, proposto na sua apresentação.

Contudo, não existe a menor necessidade deste ponto estar no centro do prato.  O foco pode ser alcançado através da variação de altura dos ingredientes (sendo o ponto focal, o mais alto) ou uma diferença de cor ou textura, que promova este elemento, o primeiro olhar.

O principal item no prato deve ser eleito como ponto focal. É o ingrediente mãe, aquele que irá reger toda a linha de sabores do prato. Assim, este deve estar sempre evidenciado.

Outra relevante observação é que não devemos ordenar os ingredientes, de forma que o cliente tenha que desconstruir sua proposta, antes de comer. Você pode propor.  Mas saiba que de qualquer forma, a decisão final sempre será dada à mesa e neste caso, o resultado pode não ser o que você espera.

Uma vez o grande Ferran Adriá, em uma entrevista, nos lembrou de algo importante; O comensal é sempre o último cozinheiro.  Se eu lhe der um bombom e você comer a metade, é muito diferente do que se comê-lo inteiro. Quando come só a metade, você experimenta as duas texturas. Saiba que 50% das pessoas enfiam o bombom inteiro na boca. O prato só termina de ser preparado, quando o comensal dá sua última garfada. Então, o cozinheiro pode oferecer uma proposta ao empratar, mas jamais terá o controle. Seu papel é propor uma experiência.  E esta é a magia da gastronomia, pois quando dois pedidos idênticos chegam à mesa, os pratos serão iguais, mas as pessoas não.

 USO DE CONTRASTE DE ALTURAS, TEXTURAS E SABORES.

Estes pontos devem sempre estar na cabeça do cozinheiro, no momento da criação de uma receita, até a hora de empratar. Afinal muitas técnicas utilizadas para finalizar um prato, começam a ser desenvolvidas no momento em que se está cozinhando os alimentos. A importância então,  de se pensar na variedade de alturas, texturas, cores  e sabores no momento da criação de um prato, vai além de uma experiência sensorial completa.

ALTURA

A altura de ingredientes em um prato chama a atenção visual, mas também nos remete a uma sensação inicial de textura. Sabemos que para que os alimentos se tornem rígidos o suficiente para se manterem estruturados (em pé) em um prato, precisam passar por um método de cozimento que os deixe rígidos. Alimentos crus também tem esta possibilidade. Contudo a fritura é uma das técnicas mais usadas.

Então ao observar um prato que tenha elementos altos, já podemos imaginar a sensação gustativa crocante daquele alimento, antes mesmo de o degustar. Em linhas gerais o ingrediente mais alto do prato, se torna seu ponto focal. Outra possibilidade de promover altura no prato através de cortes transversais em proteínas ou legumes, atrelada  a técnica de sobreposição dos itens, em uma estética minimalista. 

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Repensar a apresentação de produtos simples, aliando a criatividade de utilizar itens inesperados para o serviço, é possível obter resultados surpreendentes.

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Estas possibilidades estarão de acordo com a variação de textura e altura, além de promover novos sabores. Entender profundamente os métodos de cocção dos alimentos e trabalhar os diferentes resultados que cada um deles proporciona ao alimento é extremamente importante para a criação e para a apresentação de um prato.

Um exemplo simples é imaginar o sabor da batata cozida, frita e purê. É fácil entender que apesar de um mesmo produto, cada método de cocção empregado resultou em sabores, cores e texturas extremamente diferentes. Ingredientes líquidos e cremosos (molhos e reduções) têm a capacidade de proporcionar movimento, como veremos no tópico abaixo.

FLUXO

O fluxo de um prato é dado pela proposta de movimento. Esse movimento é representado pelas linhas que serão formadas quando estiverem dispostos os ingredientes (tanto molhos quanto os insumos sólidos).

No caso de uma linha de fatias de uma proteína (carne ou peixe), por exemplo, deve ser exibida na mesma ordem em que o item foi cortado. Isto vai assegurar a progressão consistente de qualquer padrão particular que o produto possa apresentar, como fibras de uma carne ou as linhas brancas da gordura de um salmão.

A escolha da linha tem haver com o senso de ordem, já citado a cima. Observe a figura a baixo;

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As linhas 1 a 4 são consideradas linhas fortes, que definem uma direção, um movimento. Já as linhas 5 a 7 são linhas inconsistentes, não apresentam direções definidas, e no caso do prato 8 ainda possuem outro erro que para alguns profissionais, é imperdoável; a utilização das bordas.

Para estes, a borda pertence ao garçom e ao cliente.  É importante entender que isto é um conceito geral, e que por isso há discussões sobre tal fato.

Já a sequência, uma vez determinado o fluxo, irá assegurar uma progressão. É possível sair da monotonia, mesclando cores neste processo, como demonstrado na figura abaixo.

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As linhas e fluxos servem como base para a criação. Há alguns anos, cozinheiros de vários países têm utilizado pratos como verdadeiras obras de arte, com pinceladas de molhos e emulsões de forma caótica e linda! Contudo, as linhas e fluxos permanecem como um guia atribuindo organização e calma para os olhos, no meio de tantas provocações sensoriais!  Há quem opte por pontos ao invés de linhas, ou mesclem várias técnicas. Neste processo, o mais importante ainda é a leitura que o cliente tem ao visualizar seu prato.

Os alimentos devem ser apresentados de uma forma natural e atraente, que possa induzir a um movimento. Para auxiliar neste processo, é aconselhável que sempre se utilizem números ímpares de elementos em um prato. Isso se deve a relação de movimento. Visualmente elementos de número impar, não fecham ciclos, o que remete a um movimento contínuo. Já pares funcionam de forma estática, fechando (em linhas imaginárias) figuras geométricas, que proporcionam monotonia, justamente o que não queremos.

ESTILOS

Então diante de todas as técnicas de cozimento, escolha das cores e formas das louças (dialogando com as cores e formas dos alimentos) e os cuidados na organização dos elementos no prato, podemos estabelecer os 4 grandes estilos para se empratar.

1- Clássico (relógio)

Arrumação clássica onde a proteína (ou o item principal) , amido e o vegetal dividem o espaço do prato, de forma organizada.

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2- Paisagem

Inspirados em projetos paisagísticos, os pratos mantém uma composição linear, sem muita altura, abusando dos detalhes.

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3- Estilo Livre

Inspirado no movimento modernista, há uma liberdade artística em se colocar os elementos, num estilo abstrato de forma livre, fluida e natural, permitindo estabelecer uma marca individual em cada preparo.

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Neste estilo é muito usada a sobreposição de alimentos.

3- Material “Natural”

A ideia é usar recipientes que proporcione a sensação do rústico, do natural.  Neste caso se usa o bamboo, ardósia ou pedra. Muito observado em eventos, ou pratos para compartilhar e é inspirado na gastronomia oriental clássica.

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4- Não tradicional/ Futurista

Usado com frequência nos restaurantes que trabalham com “menu degustação” este estilo depende de um número grande de cursos (pratos), uma vez que sua apresentação (em geral) é minimalista e por isso, com quantidades reduzidas por porção.

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No próximo artigo falaremos sobre a importância das cores na montagem dos pratos.

Até lá!

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