A comida e a guerra

Como disse o presidente francês, estamos em guerra. Em guerra contra um vírus. Nossos pensamentos e escolhas devem priorizar a saúde e a segurança das pessoas. Temos responsabilidades em relação as contas e aos salários, mas pessoas que trabalham com alimentação, e que em tese, tem a consciência da importância da vida humana, já que trabalham com uma necessidade primeira, sempre irão priorizar a vida e a saúde das pessoas. Quando vejo as campanhas publicitarias, dizendo que os sacrifícios são por todos e para todos, só consigo pensar que quem trabalha com comida, pensa isso o tempo todo. Tenho certeza que tem várias outras profissões que pensam, mas no caso, eu só sei falar de comida e dos que a fazem.

LOGÍSTICAS

Há 23 anos o meu dia a dia se resume a organizar informações, fluxos de procedimentos, logísticas de produção e informações. Tenho dito desde então que, os negócios gastronômicos precisam se preocupar com sua gestão, tanto quanto com suas panelas. E mais do que isso, que precisam se posicionar como o são: negócios que possibilitam a alimentação da população. As dietas urbanas e modernas, cada vez menos são feitas em casa e estes negócios se comportam como sendo as cozinhas das casas das pessoas. No entanto, na mesma proporção dessa força, temos a fraqueza deles. São negócios de alto risco, que são aqueles que sofrem forte influência do meio externo, impactando sem nenhuma cerimônia em toda a rotina. Chuvas, secas, feriados, reformas de rua, mudanças de fluxo de transito, tudo pode ser fatal ou potencialmente impulsionador de um negócio, sem avisos prévios. Temos então um negócio de necessidade primeira, tratado como entretenimento, tanto pela maioria dos empresários, quanto pelas autoridades tributarias e por seus clientes, quando desconsideram a dificuldade de sua gestão.

CONTAS

Porém, é claro que, nem nas minhas mais preocupadas colocações sobre gestão, eu poderia imaginar o que estamos vivendo. Nunca passou na minha cabeça a necessidade de pensar em como agir neste formato de guerra. As determinações dos governantes mudam a todo instante, na mesma velocidade que as estatísticas da doença, e a gente tem que ter calma e respiração em dia, para imaginar como fazer para manter as empresas em operação. Contudo, temos que seguir o baile e confiar. Bem, a maioria dos Estados, está com determinação de não operação para negócios gastronômicos, a não ser em formato de delivery. Então, esta é a única saída. Em relação ao pagamento de tributos e impostos diversos, em guerra não se paga. O governo federal decretou calamidade pública para o país, o que significa que ele próprio admite que os orçamentos não serão utilizados como previsto e sim, como preciso. Em relação a aluguel, espera-se que as imobiliárias se coloquem a disposição para negociar. É preocupação, os itens operacionais básicos – água, luz e gás. Estes sim, devem imediatamente serem subsidiados e para isso, esperamos que as instituições representativas – ABRASEL, ANR, FBHA, ABF e as estaduais e municipais – pressionem as autoridades e as concessionárias que privatizam esses serviços, a fazerem isso, como já foi feito em vários países, por consequência da pandemia.

RENDA

Isto posto, o pensamento é o seguinte: gerar renda que seja o suficiente para a compra de insumos e para o pagamento dos funcionários. Não se sabe como este ou aquele negócio vai reagir aos deliverys, cada um tem uma personalidade e como tal se comporta de maneira por vezes, única a cada tomada de decisão. Não sabemos também, quanto tempo ficaremos nessa situação e se, por tempo prolongado, como é que estarão questões financeiras ou de abastecimento de alimentos. Temos certeza que é um momento difícil e que não será resolvido facilmente. Por isso, as decisões devem sempre ser pautadas em opções baratas e fáceis de implantação, e, inovadoras, muitas vezes até se deslocando do praticado habitualmente até aqui.

POSSIBILIDADES

Quanto as questões trabalhistas, muito mais do que seguir a lei, é preciso seguir o que é humano. Funcionários doentes, sem dinheiro e com problemas em casa, definitivamente não vão ajudar. Claro que, em situação como esta, irão existir flexibilizações de algumas regras, mas até agora, não temos muitas certezas. Abaixo, seguem as principais opções:

  1. Férias Coletivas (precisa avisar os funcionários com 30 dias de antecedência e os órgãos competentes com 15 dias. Pode ser parcelada – 15 dias – e pode ser por departamento);
  2. Interrupção temporária com posterior prorrogação de horas (o funcionário pode pagar a carga horária que deve quando voltar, sendo que não pode ser mais do que 2 horas por dia, e as horas devem ser pagas em um prazo máximo de 45 dias);
  3. Redução de carga horária e redução de salários (máximo de 25%);
  4. Tele trabalho ou home office (acho que não cabe para este tipo de negócio e precisa de aditivo de contrato laboral assinado).

Faça a sua escolha e siga para o próximo passo que é a implantação do delivery. A primeira coisa a se pensar é sobre qual aplicativo escolher. Todos eles têm taxas abusivas, mas eles têm diferença entre eles e com essa situação, andaram fazendo acordos e flexibilizando algumas coisas. Importante também analisar o tempo que eles solicitam para início de operação. Algumas pedem uma semana e este tempo é precioso. E o mais importante: o prazo de retorno das operações. A maioria deles retornava em 45 dias e isso fragiliza muito o fluxo de caixa. Este – o fluxo -, é o órgão mais delicado e importante de um negócio gastronômico. O maior prazo de pagamento de insumos, em geral, são 21 dias, e o recebimento das vendas em 45 dias faz com que essa conta seja bastante difícil de fechar. Os aplicativos estão diminuindo este prazo para uma semana, e aí sim, isso vai ajudar. Todavia, é importante que o financeiro apurado seja usado para este momento – insumos e funcionários – e não para pagar contas em atraso. O ideal é que a preocupação seja exclusivamente para este momento, visto que não se sabe quanto tempo ele vai durar. Importante também, incentivar aos clientes a fazerem seus pedidos diretamente no estabelecimento, via fone ou redes sociais. Abaixo, segue um passo a passo para a implantação.

  1. Escolher o aplicativo (são várias opções, taxas e tempo de retorno);
  2. Reestruturar a equipe, para a carga horária e necessidade de produção. Pensar sobre as opções trabalhistas e estruturar para receber ligações, controlar aplicativos e motoqueiros;
  3. Escolher o cardápio.

CARDÁPIO

Chegamos então, ao item mais importante. O cardápio é uma espécie de bíblia dos negócios gastronômicos e a ele deve ser investida a maior parte da energia. O ideal é que se tenham as fichas técnicas de custos elaboradas, para que questões de margem de contribuição e custo da mercadoria vendida (CMV) sirvam de ferramenta de tomada de decisão. Mas infelizmente é sabido que, a grande maioria dos negócios não tem este documento pronto e por isso, elencamos aqui, sete principais decisões e ações:

  1. Descarte os produtos que precisam de insumos exclusivos ou importados;
  2. Priorize os produtos com os insumos mais perecíveis. Higienizar, beneficiar e armazenar tudo de forma a prolongar a validade (não se pode perder nada!);
  3. Escolher produtos pensando no transporte. Em relação a quantidade de embalagens, a aparência e as texturas;
  4. Fazer inventario de estoque e priorizar a escolha de pratos, de acordo com a maior quantidade de insumos;
  5. Cuidado com a escolha das embalagens, em relação a custos. Sejam criativos e se preocupem com a segurança do alimento;
  6. Não se prenda a cardápios fixos. Mudem de acordo com a necessidade e disponibilidade de insumos;
  7. Priorizem os fornecedores locais, menores e que se disponibilizem a serem parceiros em relação a entrega, preços e prazos de pagamento.

Sugestão: não se preocupem em ter bebidas, a não ser que sejam exclusivas e por isso tenham demandas.

ALTERNATIVAS

Ainda existem algumas outras alternativas, como vouchers de compra, que poderão ser usados posteriormente. Existem também restaurantes que estão sendo colaborativos com outros estabelecimentos, dividindo aplicativos e divulgações. O céu é o limite para a criatividade. A inovação aqui, refere-se a um novo olhar para este tipo de negócio, que com certeza não sairá dessa dificuldade do jeito que entrou. Torcemos para que após toda essa tormenta, as pessoas unam suas experiências e inteligências, para colocar os negócios gastronômicos no lugar que eles merecem.

Desejamos sorte para todas e todos. Estamos bastante preocupados, mas também bastante empenhados em encontrar soluções para este momento.

 

 

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